quarta-feira, 11 de novembro de 2009

XII Sessão

A Poesia, a Viagem e o Tempo

Escritor e Administrador Delegado
da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA)


11 de Novembro de 2009 - Espaço CompaRes - 18h



















Na minha já longínqua infância, fui levado a associar a ideia de viagem às imagens de paquetes, cargueiros e petroleiros que via passar ao largo, rumando a destinos que só a imaginação me permitia apontar no mapa das terras inventadas. Eu tinha a certeza que era para lá que eles navegavam, e que ninguém tentasse convencer-me do contrário.
(...)
Um dia, o meu pai disse-me que se eu queria ficar ligado ao destino desses navios misteriosos e distantes só tinha um de dois caminhos a seguir: ou me tornava oficial da marinha ou escritor. Como eu gostava mais da ondulação das palavras do que do embalo das marés, disse para comigo que o melhor era mesmo ser escritor, embora soubesse que a escolha desse rumo não deixaria o meu pai tranquilo, pois vivíamos num tempo em que era quase uma heresia afirmar que se queria viver da literatura a tempo inteiro.
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Tem razão Alain de Botton quando escreve que "a viagem, como o amor, representa uma tentativa para se transformar o sonho em realidade". É exactamente isso que penso, de cada vez que encontro uma cidade ou um país que longamente imaginei antes de o ter visitado e que, na hora da chegada, espero sempre que corresponda ao que sobre ele sonhei, talvez com a esperança de que aquilo que nele vou encontrar me abra as portas para tudo o mais que sonhei e que desejo ver transformado em texto literário, tenha ele a forma que entretanto decida dar-lhe.
(...)
E quando a grande viagem, a que está sempre por realizar, por fim acontecer, eu confesso que quero lá estar para escrever o que vi, nem que tenha que pagar por isso o preço altíssimo do silêncio final. E talvez nesse momento consiga encontrar o meu pai, à proa de um qualquer navio rumando ao horizonte, e lhe diga somente: "Entre oficial da marinha e escritor, escolhi ser escritor, e fica sabendo, pai, que assim viajei muito mais, ou não fossem as palavras em muito maior número que as ondas que há no mar."

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